Desenvolvimento Humano

27 de Abril, 2018

O HOMEM INÚTIL

Nesse além-mundo de meus pensamentos, viajei, sorvendo uma cerveja gelada, escura, forte e com aquele sabor amargo de especiarias, característico das belgas de boa cepa. A rede balançava suavemente e meu olhar focava somente as árvores da mata vizinha.

Repentinamente, me veio novamente a lembrança de um grande problema, que já está em pauta, que é o surgimento da classe dos homens inúteis. As previsões dão conta de que isso acontecerá até o ano de 2050. Com certeza essa lembrança veio do incomodo que me causou, quando li o tema.

Pensei muito e concluí, que se essa característica de utilidade é apenas de serventia, é pouco para o Homem. Torna-se igual a coisa. Não é?

Martelo serve para pregar pregos e cachorro serve para vigiar. Pois é, um amigo, me disse que o sogro dele, fazendeiro, dizia – esse cachorro não serve para nada, larga ele aí. Claro, se não servia para vigiar e não ajudava na lida com o gado, não servia para nada mesmo, na visão dele.

Essa classe de inúteis será apenas uma das resultantes, das tendências futuras das inovações. Será a classe sem emprego, pela falta de qualificação, pelo não acompanhamento da evolução e por terem sido substituídos pela Inteligência Artificial e Automação. Lembremos que todas as atividades rotineiras e mecânicas, serão automatizadas e realizadas por robôs.

A situação ainda irá piorar e não é pelo meu desejo. Juntando o advento do surgimento dessa classe, com a extensão da vida, ou seja, a possibilidade real de nos mantermos vivos por muito mais tempo, além dos 80, 90 e mais de 100 anos. Teremos a classe pária dos inúteis e zumbis. Dá até um frio na espinha.

A premissa inicial de utilidade, nos remete à pergunta, o que é o homem? Isso é tão complexo, que fazemos essa pergunta, desde a Grécia antiga. Quando ele nasce, não tem significado algum. É um ser potencial, diferente dos demais mamíferos. É apenas filho, irmão, primo, sobrinho, cunhado ou tio de alguém. Quando adulto o grau parental pode se estender e ele também poderá se definir como homem, participando da sociedade, na relação com os de sua mesma espécie e com a natureza. Poderá estudar, ter uma profissão, trabalho, produzir artes ou se manifestar de qualquer outra maneira. Poderá também ficar no seu rincão e continuar a viver, sem nenhuma complexidade, mas com sabedoria.

Recorrendo ao poema Ítaca, o homem constrói o seu significado, durante a longa jornada chamada vida. É nessa jornada que ele pode ampliar o seu conhecimento, através das diferentes formas de aprendizagem, de ensinar, se relacionar com diferentes povos, seguir, ser seguido, experienciar, errar e acertar, passar por infortúnios e felicidades, tornando-se experiente, liberto e sábio.

De outra forma e como possibilidade, também podemos apenas estar criando ilusões, para justificar as nossas ações perante a vida, já que não somos nada além de um outro habitante da terra. Um animal que pensa; o nosso diferencial. São coisas do tipo, descobri que minha missão é ser professor, para proporcionar educação de qualidade, médico, para cuidar do sofrimento das pessoas, padre, pastor ou enganador, para cuidar das almas perdidas e por aí vai. E, quer saber, muita gente vive assim mesmo.

Ora, exatamente pelo que nos difere, podemos aprender, ensinar, solucionar problemas, ser criativos, surpreender e continuarmos nos relacionando, independentemente da idade, da qualificação ou desqualificação, para amenizar esse sofrimento que ronda a humanidade.

Faz-se imperativo, ajudar a refletir sobre essa nova realidade, para encontrarmos uma solução justa, além da renda mínima, que já está sendo discutida em diversos países.

Viver é preciso, sobreviver é muito pouco.

por Fausto Ferreira